Desisti. E isso é a coisa mais triste que
tenho a dizer. A coisa mais triste que já me aconteceu. Eu simplesmente desisti.
Não brigo mais com a vida, não quero entender nada. Eu espero chegar as nove da
noite pra tomar meu Rivotril. E desaparecer. Vou nos lugares, vejo a opinião de
todo mundo, coisas que acho deprê, outras que quero somar, mas as deixo lá.
Deixo tudo lá. Não mexo em nada. Não quero. Odeio as frases em inglês mas o
tempo todo penso “I don’t care”. Caguei. Foda-se. Eu espero chegar as nove da
noite pra tomar meu Rivotril e desaparecer. Me nego a brigar. Pra quê? Passei
uma vida sendo a irritadinha, a que queria tudo do seu jeito. Amor só é amor se
for assim. Sotaque tem que ser assim. Comer tem que ser assim. Dirigir,
trabalhar, dormir, respirar. E eu seguia brigando. Querendo o mundo do meu
jeito. Na minha hora. Querendo consertar a fome do mundo e o restaurante brega.
Algo entre uma santa e uma pilantra. Desde que no controle e irritada. Agora,
não quero mais nada. De verdade. Ah, o roteiro não ficou bom? Então não me
pague. Não vejo as mulheres mais bonitas em volta e corro pra malhar. Não quero
malhar. Não vejo o que é feio e o que é bonito. É tudo a mesma merda. Não ligo
se a faca tirar uma lasca do meu dedo na hora de cortar a maçã. Não ligo pra
dor. Pro sangue. Pro desfecho da novela. Se o trânsito parou, não buzino. Se o
brinco foi pelo ralo, foda-se. Deixa assim. A vida é assim. Não brigo mais. Eu
só espero chegar as nove da noite pra tomar meu Rivotril e desaparecer. Não
quero arrumar, tentar, me vingar, não quero segunda chance, não quero ganhar,
não quero vencer, não quero a última palavra, a explicação, a mudança, a luta, o
jeito. Eu quero, de verdade, do fundo do meu coração, que chegue logo as nove da
noite. Hora do Rivotril. O remédio que me chapa. Eu quero chapar. Eu quero não
sentir. Quero ver a vida em volta, sem sentir nada. Quero ter uma emoção
paralítica. Só rir de leve e superficialmente. Do que tiver muita graça. E
talvez escorrer uma lágrima para o que for insuportável. Mas tudo meio que por
osmose. Nada pessoal. Algo tipo fantoche, alguém que enfie a mão por dentro de
mim, vez ou outra, e me cause um movimento qualquer. Quero não sentir mais porra
nenhuma. Só não sou uma suicida em potencial porque ser fria me causa alguma
curiosidade. O mundo me viu descabelar, agora vai me ver dormir e cagar pra ele.
Eu quis tanto ser feliz. Tanto. Chegava a ser arrogante. O trator da felicidade.
Atropelei o mundo e eu mesma. Tanta coisa dentro do peito. Tanta vida. Tanta
coisa que só afugenta a tudo e a todos. Ninguém dá conta do saco sem fundo de
quem devora o mundo e ainda assim não basta. Ninguém dá conta e…quer saber? Nem
eu. Chega. Não quero mais ser feliz. Nem triste. Nem nada. Eu quis muito mandar
na vida. Agora, nem chego a ser mandada por ela. Eu simplesmente me recuso a
repassar a história, seja ela qual for, pela milésima vez. Deixa a vida ser como
é. Desde que eu continue dormindo. Eu só espero chegar as nove da noite pra
tomar meu Rivotril e desaparecer. Ser invisível, meu grande pavor, ganhou
finalmente uma grande desimportância. Quase um alivio. “I don’t
care”.
Tati
Bernardi
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