Não dá outra: "Você não é aquele cara da TV?".
"Sou... ha, ha" - sorrio, pálido, fingindo-me deliciado.
"Só que eu esqueci teu nome... Como é teu nome mesmo?"
Penso em enforcá-lo na gravata de bolinhas, mas respondo: "Arnaldo".
"Não;
é outro nome. Qual é mesmo?" Desesperado, murmuro: "Jabor"... "É isso,
porra! Claro... E é você mesmo que escreve aquelas coisas...?" Penso,
sorrindo: "Não..., é tua mãe que me manda lá da zona...". Como eu
apareço peruando na TV, dá nisso. O sujeito pensa que é íntimo, pois
quando ele transa com a mulher de noite, estou olhando da tela.
Este
é um pequeno exemplo, pois a galeria de chatos está em permanente
renovação. Eu já escrevi aqui sobre isso, mas tenho de repetir, porque
eles evoluem e agora se expandem pelas redes sociais. São os novos
chatos digitais que abundam (sic) nos twitters e facebooks. Podemos
chamá-los de "e-chatos" que me atormentam com e-mails loucos ou produzem
textos ridículos com meu nome.
Todo
dia surge uma nova besteira, com dezenas de e-mails me elogiando pelo
que eu "não" fiz. Três senhoras me abordam - "Teu artigo na internet é
genial! Principalmente quando você escreve: 'As mulheres são tão
cheirosinhas; elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...'".
"Não
fui eu...", respondo. Elas não ouvem: "Modéstia sua! Finalmente alguém
diz a verdade sobre as mulheres! Você também escreveu que 'bunda dura'
não é importante. Fiquei felicíssima, porque tenho bunda mole!". (Juro
que é verdade.)
Há um outro texto rolando (e elogiado), em que louvo a estupidez humana, chamado "Seja Idiota!"... É um sucesso entre imbecis...
Mas, além dos "e-chatos", não podemos nos esquecer dos chatos ao vivo, que também mudam e se reinventam.
Claro
que gosto de conversar com eventuais leitores ou ouvintes. Não sou tão
chato assim. Muitos são ótimos e gentis. Mas, tem cada um...
O
fundador da estirpe dos chatos é o célebre "chato de galochas", cujo
nome provêm do sujeito que calçava as galochas e saía de casa com chuva
torrencial para chatear alguém a domicílio. Seria o chato "on delivery".
Agora,
surgiu um tipo perigoso: o "chato-autocrítico". Ele chega com um
sorriso constrangido e confessa logo de saída: "Eu sei que sou chato...
ha... ha..., mas desculpe eu perguntar: na sua opinião, o Lula vai
voltar?".
Além
do autocrítico, há o chato-crítico, ou o "chato do mas". Ele te agarra
na rua e começa com elogios rasgados: "Você é o máximo; aquele teu
artigo foi legal, mas... (trata-se do "chato do mas") você disse uma
besteira horrível, outro dia - o PIB da China não é aquele que você
falou... Tá por fora! Tem de ler mais economia, hein? Ha, ha".
Há
também os "chatos de esquerda" e "chatos de direita". Ambos me empurram
contra uma parede e me doutrinam sobre o Brasil. Acham que sabem tudo. E
vejo que os dois chatos ideológicos se encontram no infinito, pois a
essência da chatice é a certeza...
Outro
tipo terrível é o que te elogia pelos piores motivos: "O que mais gosto
em você é o desprezo que você tem por esse povo ignorante e vagabundo.
Brasileiro não presta...". Pode?
Outro
dia, sofri um assédio inédito: os "chatos em dupla". Eu estava no
aeroporto, às oito da manhã, quando eles vieram. Veio um e começou a me
inquirir gravemente sobre o Oriente Médio. Suando frio, comecei a
resmungar com a boca pastosa, quando surgiu um outro, desconhecido do
primeiro. Eis que o novo chato interrompeu o titular da posição com
perguntas ansiosas, "se eu achava que a Dilma estava indo bem", etc...
Aí, deu-se o conflito: os dois passaram se digladiar na minha frente
pelo direito 'hierárquico' de me encher o saco. "Eu cheguei primeiro,
tenho prioridade, depois você fala! Sim, não!" Parei de sofrer e fiquei
maravilhado com a rica 'biodiversidade' da espécie. Neste instante,
surge outro chato, o famoso "altissonante", que me agarra e berra:
"Cara, eu te adoro! Sou teu fã!" e me bate violentamente nas costas, num
elogio com laivos de insulto e vingança. É assim...
Nesta
nova galeria, há veteranos, como o chato da Ponte Aérea... Ele fica à
espreita na sala de embarque; quando você entra, ele já te viu de
longe... Você pensa: "Será que ele me viu?". Você finca os olhos no
jornal, com temor e esperança. Dali a pouco, passos a teu lado, uma
maleta pousa no chão e ele gruda: "Posso lhe dizer uma coisa?... Acho
que você devia falar menos de política e ver o lado humano do cidadão
comum... Veja eu, por exemplo; sofri muito quando minha mulher me
largou, mas posso lhe aconselhar que o amor, meu caro...". Trata-se do
"chato conselheiro", que, em geral, te deixa um cartão de visitas: "Se
precisar, liga".
Também
lembro sempre do "chato-corno". Eu tomando um cafezinho no aeroporto,
oito da manhã, indo para Porto Velho. Vem o cara no celular, falando
alto: "Ihh..., meu amor..., sabe quem está aqui ao meu lado?... O
Jabor..., quer ver?". Se vira para mim e: "Fala aqui com minha namorada;
o nome dela é Eliette".
Um
dia, houve a apoteose do chato do autógrafo. Fazia eu um modesto xixi
num banheiro de cinema, quando o cara chegou: "Me dá um autógrafo?".
Fiquei uma arara: "Estou fazendo xixi..., porra..., tu quer o quê?". E
ele: "Qual é a tua? Tá pensando que eu sou viado? Enfia esse autógrafo,
etc...".
Em
geral o chato é carente, com uma ponta de sadismo. Ele gosta de ver teu
sofrimento; por isso, não adiantam respostas malcriadas, resmungos
frios. Ele gruda mais. Uma técnica que funciona é chatear o chato. Seja o
chato do chato. Ele pergunta: "Você vai fazer outro filme, já que esse
não deu grana?". Aí, você retruca: "O que você está achando do PMDB?".
O
Tom Jobim, uma das maiores autoridades em chatos de todos os tempos, me
ensinou um truque infalível: "Use óculos escuros. O chato fica
desorientado, pois ele adora ver o próprio rosto refletido em teus olhos
desesperados".
Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo
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